Ética em Pesquisa

História da Ética em Pesquisa com Seres Humanos

A ética tem sido amplamente estudada e desenvolvida há mais de dois mil anos (ALHO, 2006), tendo seus aspectos amplamente considerados por grandes pensadores filosóficos. De acordo com Goldim (2006), os grandes filósofos de todos os tempos refletiram sobre questões envolvendo vida, suicídio, morte, nascimento, entre outros temas. 

André Vesálio (1514-1564) foi o primeiro a utilizar cadáveres de homens criminosos para estudar a anatomia humana, pois estes eram considerados próprios para esta finalidade.  Neste período, o valor e a certeza do conhecimento residiam no estudo teológico e não na observação natural. A pesquisa em cadáveres só foi autorizada oficialmente por Clemente VII, em 1537 (KIPPER, 2010).

A ciência moderna, iniciada com os experimentos de Galileu (1564-1642) e a entusiasmada aprovação de Francis Bacon (1561-1626), manteve durante muito tempo a certeza de ser uma atividade objetiva e benéfica para a humanidade enquanto promoveu o conhecimento e atuou de forma eticamente neutra, apenas valores morais relacionados à uma prática correta deveriam ter importância (KOTTOW, 2008).

Max Weber (1864-1920) defendeu que a ciência recebe da sociedade o encargo de solucionar determinados problemas, sendo seus resultados aplicados segundo prioridades também sociais, sendo a ciência então regulada por estes dois momentos sociais, eminentemente éticos, por lidar com valores (KIPPER, 2010).

No entanto, a história das pesquisas com seres humanos é marcada por situações consideradas abusivas em relação às pessoas envolvidas nos estudos. Um dos exemplos conhecidos mais antigos é o do médico inglês Edmund Jenner (1796) que, ao estudar uma vacina contra a varíola, realizou seus estudos em seus filhos colocando-os em risco e não se preocupando com a proteção deles. No entanto, Jenner teve a sensibilidade para entender seus deslizes ético-morais ao publicar os resultados, apenas vinte anos depois (KOTTOW, 2008).

Claude Bernard, no século XIX argumentava que o progresso científico não se justificaria se transgredisse o bem-estar dos indivíduos envolvidos nas pesquisas e tentou instituir parâmetros éticos para guiar o trabalho de pesquisadores, que já incluía a ideia da concordância dos participantes nas pesquisas (KIPPER, 2010). Um fenômeno característico dessa época foi a autoexperimentação: Sertürner estuda em si mesmo os efeitos da morfina, Hunter se autoinocula com material extraído de um cancro luético, Davy inala óxido nitroso para conhecer suas propriedades, entre outros exemplos conhecidos. Não faltaram críticos argumentando que colocar o próprio pesquisador em risco era tão inaceitável como lesar outras pessoas (KOTTOW, 2008).

A pesquisa com seres humanos como procedimento instituído é muito recente, podendo-se mesmo garantir que, até o final do primeiro terço do século XX, não havia motivos considerados urgentes para se dedicar reflexão moral a essa prática tão incipiente.

Todos os regulamentos, até então existentes, foram totalmente esquecidos durante a Segunda Guerra Mundial, quando na Alemanha foram cometidos os maiores crimes contra a humanidade e que ultrapassaram todos os limites de crueldade e irresponsabilidade com seres humanos. Com a divulgação das atrocidades envolvendo médicos e pesquisadores alemães, a comunidade organizou-se para julgá-los como criminosos de guerra, no Tribunal de Nuremberg, julgamento realizado pelos Estados Unidos da América (KOTTOW, 2008; KIPPER, 2010).

O código de Nuremberg, a partir de 1947, tornou-se documento básico, como guia das pesquisas médicas, para quase a totalidade dos países e dos centros de pesquisa médica. No entanto, infelizmente, os abusos não deixaram de ocorrer (DINIS et al. 2009).

Na década de 60, publicaram-se em revistas médicas de elevado nível, vários artigos com graves distorções de natureza ética. Nessa época, a Associação Médica Mundial, reunida em Helsinque (em 1964) elaborou normas adicionais ao Código de Nuremberg e que, mesmo revistas pela Associação Médica Mundial, continuam com a denominação de Declaração de Helsinque, já consagrada no mundo inteiro (DINIS et al. 2009; KIPPER, 2010). A Declaração de Helsinque de 1975 sugeriu que as pesquisas que violassem normas éticas não fossem publicadas (DINIS et al. 2009). 

 

Referências Bibliográficas

ALHO, C.S. Ética no desenvolvimento científico e tecnológico: questões da genética atual. In: ALHO CS, FEIJÓ A, GAUER G, et al. Ciência e ética, os grandes desafios. 1ª Ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. p 13-20. 

DINIS D, SUGAI A, GUILHEM D, SQUINCA F, Ética em pesquisa: temas globais, Cad. Saúde Pública, 2009: 25(4):943-45.

GOLDIM, J.R. A avaliação do projeto de pesquisa: aspectos científicos, legais, regulatórios e éticos. Revista HCPA 2006; 26(1):83-6.

KIPPER, D.J. Breve história da ética em pesquisa. Revista da AMRIGS, 2010; 54 (2): 224-28.

KOTTOW, M. História da Ética em Pesquisas com Seres Humanos. In: DINIS D, SUGAI A, GUILHEM D, SQUINCA F. Ética em Pesquisa: Temas Globais, 200. Disponível em www.anis.org.br.  Acessado em dezembro 2015.